419


GROOMING ONLINE:

S A B E R & E D U C A R 3 0 / 2 0 2 1 : O P R E S E N T E D O F U T U R O D A I N F Â N C I A

PREVENÇÃO, INTERVENÇÃO E RESPOSTAS DO SETOR EDUCACIONAL

Diana Mota

Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto


Celina Manita

1

Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação da Universidade do Porto



image

image image


Resumo:


Este artigo visa chamar a atenção para o futuro da Edu- cação da Infância em Portugal, por forma a refletirmos sobre os desafios impostos aos profissionais da área, no sentido de contribuírem para a prevenção de situações de risco ou perigo online junto das crianças. Entre os vários crimes perpetrados online, encontram-se, cres- centemente, os crimes sexuais contra crianças, como a produção e partilha de pornografia infantil ou o groo- ming (aliciamento) para fins sexuais. A implementa- ção de um programa de prevenção primária poderá, por um lado, contribuir para a redução das ocorrências de grooming online, atenuando e/ou evitando os fatores de risco associados, reduzindo as vulnerabilidades dos jovens. Por outro lado, poderá potenciar as competên- cias, os conhecimentos dos jovens e as estratégias de uso da internet de uma forma segura.


Palavras-chave:

Grooming online, aliciamento sexual, crianças, jovens, (in) segurança na internet, programas de prevenção, educação.


image


DATA DE RECEÇÃO: 13/09/2021

2

DATA DE ACEITAÇÃO: 21/10/2021

Abstract:


This article aims to draw attention to the future of Childhood Education in Portugal, in order to reflect on the challenges imposed on professionals in the area, with the purpose of contributing to the prevention of risky or dangerous online situations with children. Among the several crimes committed online are, in- creasingly, sexual crimes against children, such as the production and sharing of child pornography or grooming for sexual purposes. On the one hand, the implementation of a primary prevention program can contribute to reducing the occurrence of online groom- ing, mitigating and/or avoiding the

associated risk factors, and thus reducing young peo- ple’s vulnerabilities. On the other hand, it can en- hance the skills and knowledge of young people and the strategies to use the internet in a safe way.


Keywords:

S A B E R & E D U C A R 3 0 / 2 0 2 1 : O P R E S E N T E D O F U T U R O D A I N F Â N C I A

Online grooming, sexual grooming, children, youth, (in)internet security, prevention programs, education.


image


image

A importância das redes sociais e o seu uso frequente por parte das crianças e dos jovens

Nos últimos anos, a legislação internacional tem vin- do a reconhecer o grooming de uma criança para fins se- xuais como uma ofensa criminal. No entanto, existe ainda uma evidência científica limitada sobre os me- canismos envolvidos nos comportamentos e processos de grooming, ao contrário do que já acontece com outros tipos de crimes sexuais contra crianças, amplamente estudados e caracterizados um pouco por todo o mun- do e mais facilmente identificados social e criminal- mente (McElvaney, 2019).

S A B E R & E D U C A R 3 0 / 2 0 2 1 : O P R E S E N T E D O F U T U R O D A I N F Â N C I A

Alguns estudos sugerem que os riscos relativos a si- tuações de abuso ocorrem com mais frequência duran- te a adolescência (Bebbington et al., 2011; Finkelhor et al., 2005).

Uma das possíveis explicações é o nível mais elevado de comunicação e interação online e a variedade de meios de acesso para os jovens mais velhos. Outro dos argumentos centra-se na natureza do comporta- mento do adolescente, sendo que esta é uma fase de desenvolvimento e crescimento cognitivo, biológico e psicológico, de construção da identidade, de descober- ta, curiosidade, exploração pessoal, interpessoal e se- xual, envolvendo desafios únicos (Livingstone et al., 2011; Munro, 2011; Ofcom, 2010).

Neste sentido, e dado que a internet é muitas vezes usada no sentido de persuadir os adolescentes a acei- tarem encontros físicos, a identificação e compreen- são dos fatores de risco específicos desta fase desenvol- vimental e, na consequência desse conhecimento, o desenvolvimento de programas específicos de preven- ção do aliciamento sexual online e de utilização segu- ra da internet revelam-se cruciais.


Fatores de risco para o grooming online

O conceito de grooming sexual, geralmente, descre- ve um conjunto de processos e etapas através dos

quais um agressor manipula um menor para o con- duzir a uma situação em que o abuso sexual pode ser cometido. É muito difícil alcançar uma definição consensual ou universal do fenómeno, dadas as di- ficuldades em determinar onde o processo começa e termina, bem como o conjunto de comportamen- tos que nele podem ser envolvidos, dependendo do agressor, da vítima e do contexto.

Os infratores utilizam a internet para manipular as suas vítimas potenciais, introduzindo conversas so- bre sexo, expondo a criança à pornografia ou pedin- do às vítimas que observem ou realizem atividades sexuais (Lanning, 2018). A este respeito, Whittle et al. (2014) analisaram as perspetivas da vítima so- bre o processo de grooming online, e perceberam que ocorreu manipulação por meio de contacto frequen- te com a vítima, falsidade e imposição do segredo, sexualização do relacionamento, elogios e gentileza dirigidos às vítimas, temperamento errático ou de- sagradável, e aliciamento de outros indivíduos sig- nificativos na vida das vítimas.

A escassez de estudos sobre o grooming online também se reflete num excesso de confiança, nas pesquisas desenvolvidas, sobre o que se sabe sobre aliciamen- to em configurações offline e sua transposição, por vezes acrítica, para a análise do processo virtual. No entanto, os responsáveis pelo desenvolvimento de tecnologias informáticas, são preventivos e cau- telosos, pois os estudos têm tendência para adotar modelos teóricos de aliciamento offline e adaptá-los a contextos online sem os devidos esforços de adap- tação ou transformação (Gupta et al., 2012). Muitas vezes, o comportamento sexual impróprio, como o envio de mensagens eróticas ou de nudez online, mesmo não constituindo, em si, um crime, aumen- ta a probabilidade de futuras situações de abuso se- xual (Quayle et al., 2014).

Os perpetradores de abuso sexual infantil podem atuar individualmente ou coletivamente nas orga- nizações mais amplas de atividade criminosa, como parte de uma rede, num relacionamento ou am- biente familiar. A este aspeto, Beech et al. (2008) identificaram quatro padrões de criminosos sexuais infantis online, ou seja, os que utilizaram ativida- de sexuais infantis, abuso de materiais online para estimular o desenvolvimento do interesse sexual em crianças, entrar em contacto com criminosos sexuais que utilizaram imagens como um padrão mais amplo de abuso e de exploração sexual. As res- postas para inibir os infratores devem ter em consi- deração estas diversas motivações, e a crença de que

os criminosos online são uma ameaça menor para as crianças não foi confirmada.

Por outro lado, os procedimentos de abuso e explo- ração sexual variam, mas, geralmente, incluem um conjunto de fases: a) o adulto estabelece uma rela- ção emocional com um vínculo afetivo significativo ao menor; b) obtém gradualmente as suas informa- ções pessoais e de contacto; c) convence o menor a estabelecer diálogos sexualizados, a despir-se ou a realizar atos sexuais, através de uma sedução ami- gável, da lisonja, enviando presentes, etc.; d) quan- do a vítima confia no agressor, este torna-se mais explícito nas suas intenções, enviando material se- xual mais explícito ou pornográfico, perguntando sobre as suas experiências e preferências sexuais; e) por fim, propõe o encontro com a criança ou o jo- vem pessoalmente. No caso de recusa, o agressor pode recorrer ao assédio ou chantagem, para forçar a criança ou jovem a esse encontro. Este processo pode durar apenas alguns minutos, alguns dias, vá- rios meses ou mesmo anos (Kopecký & Szotkowski, 2017). Nem todos os ofensores sexuais online dese- jam alcançar esta última etapa, muitos satisfazem-

S A B E R & E D U C A R 3 0 / 2 0 2 1 : O P R E S E N T E D O F U T U R O D A I N F Â N C I A

-se com as partilhas online, sem solicitar encontros físicos.


Iniciativas de grooming nas redes sociais

O envolvimento dos jovens com a tecnologia inte- grou totalmente as atividades online nas suas ro- tinas diárias, aumentando a convergência entre o espaço online e offline. Este é um desenvolvimento fundamental em torno do uso da internet (Palmer, von Weiler, & Loof, 2010), e representa um risco cada vez maior para as crianças e jovens. Estes, tor- naram-se “nativos digitais”, vivendo num mundo social imerso na tecnologia, embora dificilmente diferenciando eventos online de offline, e alguns es- tudos demonstraram que o mundo online pode fazê-

-los agir de formas inesperadas, fora do domínio das nossas características mais normativas e saudáveis de interação.

O desenvolvimento da “confiança enganosa” consti- tui uma fase central no ciclo de atração e armadilha- mento dos jovens, e envolve um conjunto de movi- mentos através do qual os perpetradores cultivam a confiança nas suas vítimas. E, assim que a confian- ça das vítimas é conquistada, a fase seguinte inicia-

-se, com o processo de conquista / sedução que Olson et al. (2007) designam de grooming.

Este processo prepara, muitas vezes, o terreno para um futuro contacto sexual, através de uma série

de estratégias que se enquadram em duas grandes categorias: a dessensibilização e a ressignificação. A dessensibilização implica dessensibilizar verbal ou fisicamente a criança para o contato sexual, e o reenquadramento ou ressignificação consiste em apresentar a atividade sexual entre crianças e adul- tos como se fosse um comportamento normal ou um benefício para a criança. O ciclo de aprisionamento é igualmente desenvolvido em duas outras fases, o isolamento e a abordagem. O isolamento consiste em duas formas não exclusivas, físicas e mentais. A abordagem constitui a fase final do ciclo de aprisio- namento e refere-se às tentativas dos perpetradores de se encontrarem fisicamente com as suas vítimas, com o objetivo de abusar sexualmente destas.


Algumas das consequências do aliciamento se- xual nas crianças

A vitimização sexual durante a infância está geral- mente associada a um conjunto de resultados nega- tivos, a curto e longo prazo, nos domínios emocio- nal, comportamental, interpessoal e social, duran- te a infância e ao longo da vida adulta. De acordo com estes autores, as principais consequências do abuso sexual na infância repercutem-se ao nível fí- sico, ao nível psicológico, dos comportamentos, dos relacionamentos e dos efeitos sociais.

Ao nível do dano físico, podemos referir, para além de eventuais lesões resultantes do abuso, os riscos associados ao HIV/SIDA, a gravidez precoce ou inde- sejada, as complicações na gravidez, as doenças se- xualmente transmissíveis e a obesidade. As conse- quências ao nível psicológico, nas crianças e jovens, podem incluir a auto-culpabilização, sentimentos de vergonha, ansiedade, depressão, perturbações de pânico, perturbações de stress pós-traumático, comportamentos de automutilação, suicídio, buli- mia ou anorexia.

Para além de agravar o impacto emocional, o facto de as crianças, sobretudo em casos em que ocorra troca de imagens ou vídeos com conteúdo sexual por si produzido, ou em casos em que há oferta de recompensas pelo ofensor, em troca de conteúdos sexualizados, se poderem percecionar como tendo colaborado no abuso, dificultará também a revela- ção destes abusos, podendo prolongá-los no tempo e intensificar o seu impacto traumático.

Ao nível do impacto comportamental, as consequên- cias podem ser diversas, incluindo uma sexualiza- ção prematura e/ou traumática, comportamento de risco (e.g., consumo de álcool ou drogas), relações

sexuais precoces/práticas sexuais inseguras, pro- miscuidade, abandono escolar, violência sexual e física contra outras pessoas. No que diz respeito aos relacionamentos interpessoais, podem ser eviden- ciados sinais de falta de confiança, insegurança, di- ficuldade em estabelecer relacionamentos íntimos e impacto na paternidade futura. Os efeitos sociais incluem o isolamento, a rejeição pela família


image

Recursos nacionais e internacionais, para a prevenção da exploração sexual de crianças e jovens pela Internet

S A B E R & E D U C A R 3 0 / 2 0 2 1 : O P R E S E N T E D O F U T U R O D A I N F Â N C I A

Os programas de prevenção e consciencialização para crianças sobre os perigos e riscos de grooming online por abusadores sexuais são cada vez mais comuns no Reino Unido, Canadá, Estados Unidos, e Portugal (Ra- dford et al., 2015). Os principais mecanismos de for- necimento de informações sobre este tema tendem a focar-se nas apresentações, incluindo role-plays, vi- deojogos e simulações de solicitação cibernética com crianças dos 11 aos 13 anos.

Como exemplo, nos EUA/Canadá, um programa im- plementado por professores utiliza um videojogo para ensinar a segurança na internet, onde o jogador as- sume o papel de um polícia que pesquisa uma crian- ça desaparecida. O programa está implementado há mais de 10 anos, mas nem sempre são identificadas mudanças significativas nas atitudes em relação à segurança na internet, na probabilidade de divulgar informações pessoais, de participar em salas de chat abertas ou de enviar emails a estranhos.

Igualmente, o Programa i-SAFE é um programa em- pregue nas escolas desde os anos 2000, promovendo atividades de capacitação de jovens com foco na cida- dania da comunidade cibernética, segurança ciber- nética, segurança pessoal, identificação de eventuais predadores sexuais e propriedade intelectual. Os seus resultados demonstraram maior conhecimento de se- gurança na internet, gestão de riscos relativamente à aceitação e redes de amigos online, a comportamen- tos de entrar em contato com terceiros, consciência da identificação do potencial ofensor e partilha de infor- mações pessoais.

No Reino Unido, o ThinkUKnow dirige-se a crianças dos 5 aos 16 anos de idade, através de uma apresen- tação baseada na escola e websites sobre a exploração

infantil e online. O Protection Center avaliou o programa em 2009 e concluiu que o foco no treino de seguran- ça na internet deve ser apropriado às faixas etárias e características da população-alvo, assim como ao tipo de comportamento inadequado mantido nas redes so- ciais, tendo em conta o uso extensivo, por parte das raparigas, das redes sociais e os seus maiores riscos de grooming online (Davidson et al., 2009).

As recomendações incluíram a necessidade de me- lhor informação (ao nível dos conteúdos e dos meios de transmissão), da avaliação e controlo das aplica- ções, repetição de mensagens de segurança ao longo do tempo, adaptação específica aos contextos e desen- volvimento de materiais específicos para cada grupo e idade (Davidson et al., 2009).

Os programas de educação para prevenir o grooming sexual offline surgiram pela primeira vez nos EUA na década de 1970 e proliferaram. Os programas escolares que tentaram formar as crianças ao nível da informa- ção e prevenção do grooming sexual online eram o tipo mais comum de programas de prevenção, principal- mente porque os programas escolares podem alcançar um elevado número de crianças ao mesmo tempo, têm custos relativamente baixos e não estigmatizam os que estão em maior risco (Brown e Saied-Tessier, 2015; Walsh et al., 2015).

Estes programas tendem a centrar-se no abuso sexual, em vez da exploração sexual ou outras formas de cri- minalidade sexual contra crianças, embora tenha ha- vido apelos à inclusão da exploração nestes programas (Eaton & Holmes, 2017). Esta abordagem tem sido for- temente criticada por colocar nas crianças a respon- sabilidade de evitar os abusos, em vez de visar os per- petradores e as instituições e sociedades mais amplas em jogo (Wurtele, 2009).

Ao nível nacional, o projeto CARE, desenvolvido pela APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vitima, em 2016, e cofinanciado pela Fundação Calouste Gulben- kian, em conjunto com algumas instituições como a Casa Pia de Lisboa, Instituto Nacional de Medicina Le- gal e Ciências Forenses, Polícia Judiciária, teve como principal finalidade o desenvolvimento de uma rede de apoio a vítimas de violência sexual e boas práticas de intervenção com crianças e jovens e, também, com os familiares e amigos, por meio de uma formação es- pecializada, estruturação de modelos de intervenção, encaminhamento das vítimas por parte da Policia Judiciária e do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, para a Associação Portuguesa de Apoio à Vitima, e desenvolvimento de materiais de sensibilização para a violência sexual, destinados à

comunidade.

Mais recentemente, foi desenvolvido um jogo de ta- buleiro para crianças designado “Vamos prevenir! As aventuras do Búzio e da Coral” (Agulhas, Figueiredo & Alexandre, 2017), que se destina a crianças dos 6 aos 10 anos de idade, no sentido de combater a escassez nacional de materiais de prevenção primária de abuso sexual, com base nesta faixa etária, que foi considera- da a de maior incidência do abuso sexual, seja online ou offline.

Este programa foi criado com o objetivo de aumentar os conhecimentos sobre o abuso sexual nas crianças e promover o desenvolvimento de competências que lhes permitam identificar e gerir de forma adequada, este tipo de situações. Pode ser jogado pelas crianças e por técnicos e cuidadores, que são os facilitadores principais da intervenção. É uma ferramenta desen- volvida em formato de jogo de tabuleiro, de forma que as crianças possam adquirir conhecimentos e desen- volver competências de um modo lúdico.

Neste jogo é criada a ligação a um tema geral, o mar, através do qual existem duas personagens, o Buzio e a Coral, que acompanham a criança ao longo das ativi- dades, organizadas em torno de seis temas principais:

1) Corpo/Toques; 2) Emoções; 3) Dizer Sim/Dizer Não;

S A B E R & E D U C A R 3 0 / 2 0 2 1 : O P R E S E N T E D O F U T U R O D A I N F Â N C I A

4) Segredos; 5) Internet e 6) Pedir Ajuda.

Dentro de cada tema, são apresentados dois níveis de dificuldade: nível I, tarefas menos complexas e, normalmente, dirigidas a crianças que jogam pela primeira vez e nível II, tarefas mais complexas e di- rigidas a crianças que já tenham completado as ativi- dades de nível I. As atividades estão, ainda, divididas em diferentes categorias: Contar, Pintar/Desenhar, Mímica e Identificar.

Foi, posteriormente, efetuada uma avaliação do impacto do jogo preventivo que avaliou o impacto do programa em 14 crianças e 11 cuidadores (Grazi- na, 2016) e avaliou uma amostra de 15 crianças em situação de grupo Moita (2016). Os resultados dos dois estudos determinaram que as crianças apre- sentaram mais conhecimentos relacionados com o abuso sexual numa fase de pós-teste, embora nos itens do questionário, tenham respondido corre- tamente logo no primeiro momento de avaliação.


image

Intervenções e respostas ao

abuso e explora- ção sexual infantil

– Prevenção e

respostas do setor educacional

S A B E R & E D U C A R 3 0 / 2 0 2 1 : O P R E S E N T E D O F U T U R O D A I N F Â N C I A

As evidências relacionadas com as intervenções de pre- venção e resposta ao abuso e exploração sexual infantil em todos os setores, ao nível nacional/governamental, saúde, justiça criminal, educação, proteção da criança e sociedade civil são cada vez maiores (Walsh et al., 2015). A prevenção relaciona-se com a forma de lidar com o abuso e exploração sexual infantil antes que esta ocor- ra, e não pode ser alcançada sem a mudança de normas sociais, atitudes e comportamento relacionados com as crianças e adolescentes. De uma forma geral, as estra- tégicas de prevenção podem ser universais ou direcio- nadas para grupos vulneráveis. Identificar crianças que vivem em situações de abuso e exploração sexual, seja online ou offline, é uma tarefa notoriamente difícil. Os desafios incluem as barreiras à revelação por crianças, especialmente o medo dos abusadores, o receio de es- tigma social, a falta de consciência sobre o abuso, de compreensão e reconhecimento do próprio abuso por parte dos pais e do público em geral, falta de capacida- des ou competências dos profissionais para a sua iden- tificação e políticas sociais e criminais que não apoiam a identificação de respostas de proteção à criança.

As estratégias para melhorar esta situação, incluem a reforma das leis, desenvolver melhores vias de no- tificação e de encaminhamento dos casos, promover a formação de magistrados e de profissionais que têm contacto regular com crianças (e.g., professores, edu- cadores, psicólogos, assistentes sociais, médicos), de forma a ficarem mais conscientes e alerta face os sinais de abuso, e mais capazes e intervir face a uma suspei- ta, melhorar os métodos de avaliação de risco, fornecer informações adequadas à idade, para crianças e ado- lescentes, sobre os seus direitos à proteção e onde en- contrar ajuda diretamente, introduzir uma avaliação sistemática de processos e de resultados dos programas (War Child 2010; Wessells, 2009).

As repostas do setor educacional incluem formação ao nível da educação sexual, ou seja, as escolas são uma forma eficiente de alcançar crianças, jovens e, tam- bém, as suas famílias, embora só surtam efeitos di- retos nas crianças e jovens que frequentam a escola. Salienta-se que as crenças religiosas e culturais podem dificultar a educação sexual nalguns contextos, no en- tanto, as escolas assumiram, na última década, um papel cada vez mais pró-ativo na prevenção do abuso sexual de crianças online e offline.

As escolas são um local adequado e eficaz para a disse- minação de informações sobre como manter a seguran- ça na utilização da internet. Embora alguns pais pos- sam sentir relutância em debater estas questões e não se sintam qualificados para este tipo de ação, os profes- sores podem desempenhar esse papel junto dos alunos (Bilmes, 2011). Os filmes que retratam, por exemplo, os perigos do cyberbullying e do sexting podem ser utilizados para estimular os debates em sala de aula sobre os direi- tos e responsabilidades em torno das tecnologias digi- tais, relacionamentos de respeito e a ética na partilha de imagens pessoais sem consentimento. Atividades estruturadas ou jogos como os atrás referidos, também são de fácil utilização no contexto escolar.

Existem, igualmente, currículos de educação sobre se- gurança na internet, incluindo o i-SAFE, iKeepSafe, NetSmartz e Web Wise Kids, embora uma revisão des- tes programas sugira que poucos incorporam as men- sagens baseadas em pesquisas, objetivos de aprendi- zagem que se baseiam no desenvolvimento de compe- tências ou oportunidades para os jovens as praticarem (Jones et al., 2014).

Devido à escassez de estudos científicos, muitos destes esforços de promoção da segurança na internet pare- cem basear-se em recomendações motivadas mais pelo pânico moral ou construídas com base suposições não testadas sobre riscos online (Finkelhor, 2014), do que em evidências científicas.

Diversos autores, argumentaram que algumas inicia- tivas de promoção da segurança cibernética, centradas apenas no comportamento das crianças e jovens aca- bam por poder promover um sentimento de culpa nas vítimas. Neste sentido, alguns autores sugerem que, em vez de disponibilizar programas autónomos ou sim- plesmente divulgar instruções de segurança no uso da tecnologia, se deverá apostar em programas multimo- dais e integrados de promoção do bem-estar e do equilí- brio pessoal e desenvolvimental, na promoção da saúde em geral, incluindo questões sexuais, mas também so- cioemocionais, de identidade, autoestima, capacidade de decidir autónoma e racionalmente, comunicação

assertiva e “saber dizer não”, desenvolvimento pessoal e social, cidadania ativa, cidadania digital e relaciona- mentos interpessoais assentes no respeito.

Neste contexto, seria útil se as mensagens de seguran- ça na internet, orientadas para os jovens, colocassem mais ênfase, quer nas vulnerabilidades já identificadas pela investigação científica (UK Council for Child Inter- net Safety, 2012; Whittle, Hamilton-Giachritsis, Beech & Collings, 2013), quer nos comportamentos online que aumentam o risco de vitimização, especialmente inte- ragir com adultos que só conheceram online, além de comunicar sobre tópicos de risco, especialmente con- teúdos de cariz sexual, seja ao nível das interações ver- bais, seja do sexting, da partilha de imagens sexuais. As estratégicas de construção de uma consciência sobre o problema podem auxiliar os jovens a reconhecer que existem adultos emocionalmente manipuladores e cri- minalmente ativos a atuar online (além de presencial- mente), que poderão explorar a sua curiosidade sexual e tirar partido das suas necessidades de afeto, intimi- dade e companheirismo.

De acordo com Wurtele e Kenny (2016) seria bastante útil para os jovens ouvirem relatos de vítimas de abuso sexual online, sobre como é fácil ser envolvido num re- lacionamento abusivo e sobre a variedade de estratégias e vias de manipulação utilizadas em todo o processo de grooming. Neste sentido, educar os adolescentes sobre os riscos de se envolverem em relacionamentos român- ticos com parceiros mais velhos e, ao mesmo tempo, informá-los de que as relações sexuais entre adultos e menores são crimes puníveis, independentemente de quem o adulto é, ou de o adolescente sentir que está “apaixonado” e “consentir” nessa relação ou interação. Importa, ainda, referir que raramente os adoles- centes informam os seus pais ou a polícia quando recebem solicitações de sexo online, talvez porque temem castigos da família, represálias dos ofenso- res ou que os seus dispositivos lhes sejam retirados, se divulgarem o recebimento ou o envio de mensa- gens ou imagens sexualmente explicitas (Katz, 2013).


image

Conclusão

Não obstante o aliciamento de jovens/grooming sexual online ser um fenómeno em evidente progressão em Portugal, ainda é escassa no nosso país, quer a investi- gação, quer a intervenção neste fenómeno.

O conjunto de constatações e de limitações apresentadas no artigo, ao nível dos esforços conduzidos para proteção das crianças e jovens, levou-nos a refletir sobre o futuro da educação da infância e sobre a necessidade de serem implementadas medidas de intervenção a integrar num potencial programa de promoção de uma utilização mais segura da internet, por crianças e jovens, e de prevenção da ofensa sexual online, do grooming em particular.

S A B E R & E D U C A R 3 0 / 2 0 2 1 : O P R E S E N T E D O F U T U R O D A I N F Â N C I A

Consideramos que um programa de prevenção primária deste tipo deverá contribuir para a redução das ocorrên- cias de grooming online, atenuando e/ou evitando os fato- res de risco associados e reduzindo as vulnerabilidades dos jovens, por um lado; potenciando as competências e conhecimentos dos jovens, as estratégias de uso da in- ternet de uma forma segura, por outro lado. Estes ele- mentos levam-nos a reforçar a necessidade de apostar na prevenção primária, a nível nacional, em especial junto das entidades com competência em matéria de infância e juventude, por serem estas entidades que desenvolvem atividades junto das crianças e dos jovens, com maior acesso aos mesmos e que têm legitimidade para inter- vir na promoção dos direitos e na proteção dos jovens. Isto englobaria a intervenção em escolas e outros espa- ços educativos, mas também o sistema de promoção e proteção de crianças e jovens, que não se deveria limitar a atuar nas suspeitas de situações já concretizadas, mas investir, também, no desenvolvimento e promoção de ações e estratégias de prevenção primária.

Intervir através da prevenção primária apresenta-nos vantagens a longo prazo, dado que os resultados são, na sua maioria, muito positivos envolvendo, em contra- partida, menos custos financeiros (Galheigo, 2008).

Fogarty (1989) alega que os responsáveis legais que apoiam ou participam em programas de prevenção de abuso sexual, estão mais capacitados para lidar ade- quadamente com uma situação de abuso. Por sua vez, Wurtele e Miller-Perrin (1992), demonstram que o envol- vimento dos responsáveis legais dos jovens nos progra- mas de prevenção primária de abuso sexual, ajuda-os a aplicar os conhecimentos adquiridos, por exemplo nas escolas, permitindo que os jovens questionem e conver- sem sobre a temática.

O objetivo principal de um programa de prevenção pri- mária, junto de jovens, relativo ao grooming online será

o de permitir que os mesmos adquiram conhecimentos mais específicos e aprofundados e estratégias de respos- ta ajustadas, para poderem, por um lado, identificar os sinais de alerta, saberem, por outro lado, como reagir, de uma forma mais adequada, a uma situação de poten- cial aliciamento, e, finalmente, desenvolverem a capa- cidade de pedir ajuda e conhecerem as vias para a alcan- çar, caso não a tenham ou queiram solicitar à família. Neste sentido, esperamos que este artigo seja um contri- buto para promover o conhecimento sobre esta temáti- ca, junto dos profissionais que trabalham com a área da infância, assim como um contributo para a prevenção do fenómeno do grooming online.

Referencias bibliográficas


Agulhas, R., Figueiredo, N., Alexandre, J., & Cifuen- tes, P. (2017). Vamos Prevenir! As Aventuras do Búzio e da Coral. Lisboa: Edições Sílabo.

Beech, A. R., Elliott, I. A., Birgden, A., & Findlater, D. (2008). The internet and child sexual offending: a criminological review. Aggression and Violent Behavior 13(3) - 216-228.

Bebbington, P. E., Jonas, S., Brugha, T., Meltzer, H., Jenkins, R., Cooper, C., King, M., & McManus,

S. (2011). Child sexual abuse reported by an En- glish national sample: characteristics and demo- graphy. Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology 46

- 255–262.

Bilmes D. (2011) The realities of sexting (you can’t un- send!). Educator’s guide to handling student sex- ting. School Library Journal 57(2) - 54-55.

Brown, J. & Saied-Tessier, A. (2015) Preventing child sexual abuse: towards a national strategy for England. London: NSPCC.

S A B E R & E D U C A R 3 0 / 2 0 2 1 : O P R E S E N T E D O F U T U R O D A I N F Â N C I A

Davidson, J., Martellozzo, E., & Lorenz, M. (2009). Evaluation of CEOP Thinkuknow internet safety programme and exploration of young people’s internet safety knowledge. Centre for Abuse & Trauma Studies. Kingston, UK.

Eaton, J. & Holmes, D. (2017). Working Effectively to Address Child Sexual Exploitation: An Evidence Scope. Research in Practice, Totnes.

Finkelhor D. (2014). Commentary: Cause for alarm? Youth and Internet risk research — A commentary on Livingstone and Smith. Journal of Child Psychology and Psychiatry 55(6) - 655-658.

Galheigo, S. M. (2008). Apontamentos para se pensar ações de prevenção à violência pelo Setor Saúde. Saúde & Sociedade,17, 3 - 181-189.


Gupta, A., Kumaraguru, P., & Sureka, A. (2012). Cha- racterizing pedophile conversations on the Inter- net using online grooming. Aditi Gupta.


Grazina, T. (2016). Vamos prevenir! As Aventuras do Bú- zio e da Coral: avaliação do impacto em crianças e respetivos cuidadores. Dissertação de Mestrado em Psicologia Comunitária e Proteção de Meno- res. Lisboa: ISCTE-IUL.

Katz C. 2013. Internet-related child sexual abuse: What children tell us in their testimonies. Children and Youth Services Review 35, 1536-1542.

Kopecky, K., & Szotkowski, R. (2017). Cyberbullying, cyber aggression and their impact on the victim-

-The teacher. Telematics and Informatics, 34, 50-517. Jones, L.M., Mitchell, K.J., Walsh, W.A. (2014). A

Systematic Review of Effective Youth Prevention Education: Implications for Internet Safety Edu- cation. Crimes Against Children Research Center (CCRC). University of New Hampshire, Durham.

Lanning, K. (2018). The evolution of grooming: concept and term. Journal of Interpersonal Violence, 33(1) - 5-16. Livingstone, S. (2010). E-Youth: (future) policy impli- cations: reflections on online risk, harm and vul- nerability. UCSIA & MIOS University of Antwerp,

Antwerp, Belgium.

McElvaney, R. (2019). Grooming: A Case Study. Journal of Child Sexual Abuse, 28(5)- 608-627.

Moita, M. (2016). Avaliação de Impacto do Jogo “Vamos Prevenir! As Aventuras do Búzio e da Coral”: jogo de prevenção primária do abuso sexual para crian- ças entre os 6 e os 10 anos”. Dissertação de Mestrado em Psicologia Comunitária e Proteção de Menores. Lisboa: ISCTEIUL.

Olson, L. N., Daggs, J. L., Ellevold, B. L., & Rogers, T.

K. K. (2007). Entrapping the Innocent: Toward a Theory of Child Sexual Predators? Luring Commu- nication. Communication Theory, 17(3), 231-251.

S A B E R & E D U C A R 3 0 / 2 0 2 1 : O P R E S E N T E D O F U T U R O D A I N F Â N C I A

Palmer, T., Von Weiler, J., & Loof, L. (2010). The im- pact of internet abuse on children and how best to intervene. The Official Newsletter of the International Society for Prevention of Child Abuse and Neglect, 19. USA.

Radford, L., D. Allnock and P. Hynes (2015). Promising Programmes to Prevent and Respond to Child Se- xual Abuse and Exploitation. UNICEF.

Livingstone, S. & Palmer, T. (2012) Identifying vulnera- ble children online and what

strategies can help them. UK Safer Internet Centre, London, UK.

Walsh, K., Zwi, S., Woolfenden, S. & Shlonsky, A. (2015). School-Based Education Programs for the Prevention of Child Sexual Abuse: A Cochrane Systematic Review and Meta-Analysis. London: The Cochrane Collaboration.

Whittle HC, Hamilton-Giachritsis CE, Beech AR. “Un- der His Spell”: Victims’ Perspectives of Being Groo- med Online. Social Sciences. 2014; 3(3):404-426.

Whittle, H., Hamilton-Giachritsis, C., Beech, A., & Collings, G. (2013). A review of young people’s vulnerabilities to online grooming. Aggression and Violent Behavior, 18(1), 135-146.

Wolak, J., Finkelhor, D., Mitchell, K. J., & Ybarra, M.

L. (2008). Online “predators” and their victims: myths, realities and implications for prevention and treatment. American Psychologist, 63, 111-1128.

Wurtele, S., & Miller-Perrin, C. (1992). Preventing child sexual abuse: Sharing the responsibility. Lincoln, NE: University of Nebraska Press.

Wurtele, S. K. (2009). Preventing Sexual Abuse of Chil- dren in the Twenty-first Century: Preparing for Challenges and Opportunities. Journal of Child Se- xual Abuse, 18, 1.

Wurtele, S., K. & Kenny, M. (2017). Technology-Rela- ted Sexual Solicitation of Adolescents: A Review of Prevention Efforts. Child Abuse Review, 25. 332–344 (2016).

Article Metrics

Metrics Loading ...

Metrics powered by PLOS ALM

Apontamentos

  • Não há apontamentos.


Creative Commons License
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 License.

e-ISSN 1647-2144 | Publicação contínua semestral |Creative Commons Attribution (BY-NC-SA 4.0) | ESE de Paula Frassinetti | Apoio 

Indexação: DOAJ | ERIHPLUS | Latindex catálogo 2.0MIAR |QOAM |QualisCapes | Genamics JournalSeek |InfoBase Index | REDIB | Google Scholar Metrics (GSMIndex Copernicus International|SJIF Journal Rank|OpenAire | OEIOpen Science Directory | ROAD | Crossref |Copac (Reino Unido)|Ulrich's Periodicals DirectorySUDOC (França)OAIster |RCAAP | OpenAireMir@belSherpa Romeo